terça-feira, 29 de setembro de 2009

sobre pássaros e céus impossíveis

Na manhã cinza os pássaros voam

o céu não está tão povoado

os pássaros voam

não há outros bichos

dizem que ainda há pássaros

não há terra que não seja

do homem

pela janela

tampouco muitos que a peneira segurará

quando caírem em queda livre
do céu da eternidade da credulice humana.

domingo, 27 de setembro de 2009

utopia amorosa inconsciente

desde que somos de novo adolescentes
nos conhecemos

quando os mares clarearam
nos amamos

em águas turvas tombamos
leves canoas quase vazias
rio elameado no cheiro
água turva

é uma enchente
árvores e quem e o que puder
trepado sobre elas
uma imagem recorrente
nos sítios da infância
encantados
chão batido
vassoura de bruxa
varre os terreiros
das relações passa a das

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Eles estão cegos.

"Provai e vede" (como se diz na missa católica ao ser erguido no ar o "corpo de cristo", um círculo quebrado de farinha e água, banhado no vinho, gostosinho de tomar. MAS, em tempos difíceis como os de hoje, apenas quem está liderando a cerimônia toma o corpo molhado no sangue e atiça a loucura humana com mais consciência do que faz). (Agora voltando...) Provai e vede que a cegueira branca, apavora.
trechos de "Ensaio sobre a Cegueira" de Saramargo:

Os automobilistas, impacientes, com o pé no pedal da embraiagem, mantinham em tensão os carros, avançando, recuando, como cavalos nervosos que sentissem vir no ar a chibata.
(...)
A consciência moral, que tantos insensatos têm ofendido e muitos mais renegado,
é coisa que existe e existiu sempre, não foi uma invenção dos filósofos do
Quaternário, quando a alma mal passava ainda de um projecto confuso. Com o
andar dos tempos, mais as actividades da convivência e as trocas genéticas,
acabámos por meter a consciência na cor do sangue e no sal das lágrimas, e, como
se tanto fosse pouco, fizemos dos olhos uma espécie de espelhos virados para dentro,
com o resultado, muitas vezes, de mostrarem eles sem reserva o que estávamos tratando
de negar com a boca. Acresce a isto, que é geral, a circunstância particular de que,
em espíritos simples, o remorso causado por um mal feito se confunde frequentemente
com medos ancestrais de todo o tipo, donde resulta que o castigo do prevaricador
acaba por ser. sem pau nem pedra, duas vezes o merecido.
(...)
Há mil razões para que o cérebro se feche, só isto, e nada mais, como uma visita tardia que encontrasse cerrados os seus próprios umbrais. O oftalmologista tinha gostos literários e sabia citar a propósito.