terça-feira, 21 de julho de 2009

Piva e as orgânicas iluminações profanas


Visão de São Paulo à noite - Poema Antropófago sob Narcótico


Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas

acende velas no meu crânio

há místicos falando bobagens ao coração das viúvas

e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo

fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes

chupando-se como raízes

Maldoror em taças de maré alta

na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida

a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua

gíria

feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas

definitivamente fantásticas

há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo

a lua não se apóia em nada

eu não me apóio em nada

sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas

teorias simples fervem minha mente enlouquecida

há bancos verdes aplicados no corpo das praças

há um sino que não toca

há anjos de Rilke dando o cú nos mictórios

reino-vertigem glorificado

espectros vibrando espasmos

beijos ecoando numa abóbada de reflexos

torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos

enlouquecidos na primeira infância

os malandros jogam ioiô na porta do Abismo

eu vejo Brama sentado em flor de lótus

Cristo roubando a caixa dos milagres

Chet Baker ganindo na vitrola

eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas

partidas do meu cérebro

eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes

vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e

abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos

colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror

disparo-me como uma tômbola

a cabeça afundando-me na garganta

chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me

nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro

afundado

quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias

libertas

ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de

vergonha,

correias de maconha em piqueniques flutuantes

vespas passeando em voltas das minhas ânsias

meninos abandonados nus nas esquinas

angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos

entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto

e o Estrondo

de: Paranóia (1963)

domingo, 12 de julho de 2009

Van Gogh: o suicidado pela sociedade.


Artaud, sem mais delongas, considero um verdadeiro gênio. Ácido como deve ser alguém que lucidamente vive enquanto negação de uma ordem, esta, "inteiramente baseada no cumprimento de uma primitiva injustiça". Fez parte do início do movimento surrealista, deixando o mesmo quando seus membros começaram a unir-se ao Partido Comunista. Apresento "Campo de trigos com corvos" de Van Gogh (pintado pouco tempo antes do suicídio) e alguns trechos do ensaio "Van Gogh: o suicidado pela sociedade" (obs: Van Gogh e Artaud, foram ambos considerados loucos):

Pode-se falar da boa saúde mental de Van Gogh, que em toda sua vida apenas assou uma das mãos e, fora disso, limitou-se a cortar a orelha esquerda numa ocasião.
(...) Por isso, uma sociedade infecta inventou a psiquiatria, para defender-se das investigações feitas por algumas inteligências extraordinariamente lúcidas, cujas faculdades de adivinhação a incomodavam. Gérard de Nerval não estava louco, mas o acusaram de estar louco para desacreditar certas revelações fundamentais que estava em vias de fazer; e, além de acusá-lo, certa noite golpearam sua cabeça, golpearam-no fisicamente para que esquecesse os fatos monstruosos que ia revelar e que, por causa deste golpe, passaram do plano mental para o plano supranatural, pois a sociedade toda, conjurada contra sua consciência, mostrou-se naquele momento suficientemente forte para obrigá-lo a esquecer sua verdade.

(...) Diante da lucidez ativa de Van Gogh, a psiquiatria nada mais é que um antro de gorilas obcecados e perseguidos que só dispõem de uma ridícula terminologia para aplacar os mais espantosos estados de angústia e asfixia humana, uma terminologia digna de cérebros tarados.

(...)E o que é um autêntico louco? É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceito, em vez de trair uma determinada idéia superior de honra humana. Assim, a sociedade mandou estrangular nos seus manicômios todos aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se porque se recusaram a ser seus cúmplices em algumas imensas sujeiras. Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido e enunciar certas verdades intoleráveis.

(...)E ele não se suicidou num acesso de loucura, de desespero por não conseguir encontrá-lo (o eu humano), mas, pelo contrário,ele havia conseguido, tinha descoberto o que era e quem era quando a consciência coletiva da sociedade, para puni-lo por ter rompido as amarras, o suicidou.

E aconteceu com V.Gogh como poderia ter acontecido com qualquer um de nós, por meio de um bacanal, de uma missa, de uma absolvição ou qualquer rito de consagração, possessão, sucubação ou incubação.

Assim a sociedade inoculou-se no seu corpo, esta sociedade

absolvida,

consagrada,

santificada,

e possuída,

apagou nele a consciência sobrenatural que acabara de adquirir e, como uma inundação de corvos negros nas fibras de sua árvore interna,

submergiu-o num último vagalhão

e, tomando seu lugar,

o matou.

POIS ESTÁ NA LÓGICA ANATÔMICA DO HOMEM MODERNO NUNCA TER PODIDO VIVER, NUNCA TER PODIDO PENSAR EM VIVER, A NÃO SER COMO UM POSSUÍDO.

sábado, 4 de julho de 2009

cidades

cálices dourados em todas as bocas
e o pior
estão vazios!

um domingo amarelado
nos dentes brancos do comercial
de creme dental

guerras particulares
caladas na obediência.

mas para alguns o emaranhado de nervuras
do cérebro
são fios de pólvora

nas cidades do homem
o céu é a possibilidade
oh natureza intocável!
a obediência é fato
nos passos do concreto
marasmo.

desamparo, eu te compro.
sanidade, você mente
não vou lhe vender a ninguém.
loucura eu te saúdo
com cálices cheios,
muros pulados e coração livre.

quem bota as rédeas
merece ser chicoteado
(mas merece muito!)

sinto a solidão das árvores
ilhadas de suas semelhantes

cabides passeiam em falso
imagine ação,
imaginação!
te saúdo negação, sente-se.